Por que libras é língua? - parte 2

26/10/2017

Já refletimos um pouco sobre o que é língua. Nessa parte, vamos
entender como estudá-la para entender a libras como língua, de fato.

Níveis de análise linguística: o raio-x da língua

Para compreendermos o estudo de uma língua, passamos por alguns níveis de análise responsáveis também pela comprovação de uma língua. São eles: Fonética e Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica, e Pragmática.

Cada um desses níveis é responsável por uma "porcentagem" da língua. E cada um contempla uma faceta: a produção dos sons, a formação de palavras, a combinação entre elas, o sentido e significado, e o uso da língua e linguagem em seus contextos.

A Língua Brasileira de Sinais passa por todos esses níveis com excelência, na medida em que é possível:

  • Descrever a produção dos sinais (fonética e fonologia), sabendo quais são as possíveis configurações de mão, os possíveis lugares de realização do sinal (ao lado da cabeça, na frente do tronco, etc.), e os possíveis movimentos (para cima, para baixo, curvo, da direita para a esquerda, se são repetidos ou não, etc.);

  • Estudar os sinais separadamente, como se estuda uma palavra, por exemplo, classificando-a em uma das categorias morfológicas (substantivo, verbo, adjetivo, entre outras) e entendendo o sistema de criação de novos sinais a partir das unidades mínimas com significado, ou seja, os morfemas e de que maneira é possível combiná-las;

  • Analisar a ordem dos sinais para produzir sentenças aceitáveis dentro da libras, partindo do espaço que o organiza, isto é, compreender quais as relações entre os sinais sabendo que as referências que são ditas em um discurso, por exemplo; na língua de sinais, essa referência é estabelecida pelo sinalizador usando o espaço através de apontamentos, verbos direcionais, entre outros recursos. A sintaxe na língua de sinais também se encontra nas expressões faciais e corporais, são elas que dão o tom a uma pergunta, afirmação, negação, e até à concordância gramatical através dos olhos.

  • Entender os sentidos e os significados dos sinais, tanto em sua individualidade (que pode trazer variações regionais e sociais a depender do dialeto de uma língua), quanto quando combinados em uma sentença; desfazer ambiguidades, aproximar sinônimos; e assim também produzir dicionários;

  • Analisar o funcionamento da língua, de acordo com o contexto, ou seja, partindo de todos os níveis anteriores, compreender as implicaturas do que se diz, de como se diz, do por que se diz, e do para que se diz. Se alguém pergunta "tem horas?", não respondemos apenas "sim" ou "não", mas se sim, dizemos que horas são diretamente. As piadas, o modo de dizer, quem está dizendo, tudo isso importa para entendermos o uso e funcionamento da língua em seus mais diversos âmbitos de fala.

A língua fazendo acontecer

Todos esses níveis analisam a língua e nos revelam a libras como uma língua legítima. Mas não é apenas isso que a faz ser língua. Existem outras evidências que comprovam também por certas situações que só acontecem através da língua e por causa da língua.

Comunicação em geral
Desde um "bom dia" a uma palestra, a língua nos acompanha trazendo a flexibilidade de ser mais ou menos informal, das trocas lexicais, apresentando a possibilidade de trocadilhos, entre outros recursos linguísticos e metalinguísticos, ou seja, que vão além da língua, para uma melhor adequação conforme o contexto.

Na libras, isso também acontece. Há maneiras de ser mais ou menos informal, de escolher outro sinal, de sinalizar com mais ou menos coerção social a depender do contexto em que se está.

Manifestações culturais

Vimos que a língua de sinais tem o mesmo potencial linguístico que as línguas orais. Portanto, através delas também se produz arte, poesia, literatura, teatro, filme, quadrinhos, revista, jornal, entre outras manifestações que constituem a cultura de um povo. Inclusive, há campeonatos de poesia entre os próprios surdos.

Conceitos abstratos

E além de tudo isso, a libras também se prova como língua porque os sinais não são representações de imagens, mas sim, símbolos abstratos que, quando combinados, produzem significação.

Portanto, em libras, discute-se política, filosofia, religião, economia, direito, entre tantos outros temas abstratos que não são possíveis de ser iconizados, justamente porque a maioria dos sinais é arbitrária, assim como as palavras.

Afinal, a diferença de modalidade não deslegitima a língua de sinais, antes, revela-nos quão amplo é o que chamamos de língua, e quantas possibilidades reais ela nos oferece não só para a comunicação, mas para tudo o que envolve o ser humano.


Veja exemplos da língua de sinais de outros países e se aprofunde nesse universo:

Sinal de Vida. 2016. Licenciado por Creative Commons. Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional
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