Roda o VT!

A Família Bélier

Drama, música, conflitos familiares, e... língua de sinais!

Esse é um daqueles filmes que poderia ser debatido por horas. São vários tópicos interessantes e importantes que o filme traz. A Família Bélier é um clássico quando pensamos no caso dos CODAs (Children of Deaf Adults), pois ilustra bem essa situação. Os CODAs são filhos ouvintes de pais surdos que, por estarem no meio de duas culturas, tornam-se bilíngues e biculturais, funcionando para suas famílias como mediadores de duas línguas (uma língua oral e uma língua de sinais).

No caso de Paula Bélier, uma adolescente de 16 anos, não era diferente. Ela sempre estava presente nas situações do cotidiano para ajudar sua família, desde as consultas médicas até na administração da fazenda de seus pais, em uma cidade do interior da França. O que faz tudo mudar é a decisão de Paula ao descobrir, com a ajuda do professor Thomasson, que sua vocação era o canto.

O professor do coral da escola incentiva Paula a ir atrás de seu sonho e a participar de um concurso musical em Paris. Afinal, isso a ajudaria também na sua carreira e nos seus estudos futuros. Mas escolher esse caminho era também deixar sua família.

Essa comédia dramática é emocionante e dá espaço para os dois lados da história serem vistos: tanto o lado da família surda quanto o lado da filha ouvinte. Para esses dois mundos andarem de mãos dadas, todos vão ter que se compreender e se aceitar.

No começo, a família não recebe muito bem o fato de Paula querer ser cantora. Mas ela trabalha sabiamente essa questão quando explica seu lado para a família, e diz que pode, sim, cantar mesmo que sua família não escute.

Com dificuldade, a família aceita seu sonho e a apoia. No dia de sua apresentação, na plateia, estão sua mãe, seu pai e seu irmão, torcendo. E o que ninguém esperava era que a música também seria interpretada por Paula em língua francesa de sinais.

Paula escolheu seguir sua vocação. Mas certamente sua melhor escolha foi proporcionar à sua família a oportunidade de ser alcançada pelo seu dom. O vídeo acima mostra sua performance, porém a legenda está em alemão.


Entenda a polêmica por trás de La Famille Bélier

O filme fez sucesso, mas não foi para todo mundo...

Aqui vão algumas razões que não deixaram o filme ganhar as cinco estrelas de pontuação, mas com certeza, renderam boas reflexões e críticas (além das dicas para as próximas produções cinematográficas):

Língua de Sinais
Os atores que interpretam os pais surdos, Karin Viard e Francois Damiens, e a atriz que interpreta Paula, Louane Emera, tiveram aulas de língua francesa de sinais entre 4 a 6 meses antes das filmagens. O único ator surdo era Luca Gelberg, que fez o irmão de Paula, Quentin Bélier. Ou seja, os atores ouvintes que interpretaram personagens surdos, além do preparo de caracterização dos personagens, também aprenderam a língua francesa de sinais. A perfomance da atriz Karin Viard, mãe de Paula na trama, foi bastante criticada por parecer exagerada e por trazer artificialidade em suas expressões faciais. Enquanto isso, o ator Luca Gelberg, de fato surdo, teve poucas falas durante o filme.

Surdos e o volume do som
Outro ponto foi a imagem dos surdos como pessoas barulhentas. Uma cena que marca bem isso é quando o pai de Paula vai buscá-la na escola e aperta a buzina do carro inúmeras vezes. Ela o repreende e sente vergonha dos colegas. Veja que esse comportamento é típico do ouvinte, não querendo fazer outro ouvinte ouvir, mas sim, chamando a atenção, dizendo que está com pressa, ou qualquer coisa que acelere o momento. Surdos não têm o costume de fazer isso. Mesmo.

Dependência e autonomia
Uma parte do filme que foi questionada também foi quando os pais de Paula aceitam sua escolha em seguir sua vocação na música. A ida da jovem traz um ar de insegurança para a família, já que Paula não seria mais a mediadora deles. Quem parece ter que substituí-la é seu irmão, Quentin, em quem Paula aposta que fará um bom trabalho. Mas não mostra como a família poderia prosseguir independentemente disso. E poderia. Sem dúvidas.


Mas, afinal, quantas estrelas merece?

Apesar de todas as críticas, também faço minhas ressalvas e meus elogios

Bem, o que pensar do filme, então? Deixo minhas observações ponto a ponto sobre cada crítica acima, respectivamente:

  1. Sobre a língua de sinais não ter sido muito bem atuada pelo fato de serem atores ouvintes interpretando personagens surdos, contraponho dois pontos de vista: primeiro, já vi atriz brasileira fazendo filme americano com falas exclusivamente em inglês, talvez, um ator surdo de outro país soubesse interpretar melhor o papel, com mais naturalidade, mas ainda assim, acho que com um pouco mais de estudo e prática, é possível interpretar papeis dessa forma com qualidade.


  2. Se os surdos fazem muito barulho? Essa não é a questão. O grande desafio dos tempos atuais me parece que está em darmos voz àqueles que realmente estão sendo "postos" em cena. Assim como uma biografia não é a opinião de quem escreve sobre uma pessoa, todas as formas de retratar um outro mundo, que não o nosso, demanda ouvir o que esse outro mundo tem a dizer sobre o que buscamos retratar. Se na produção do filme houvesse surdos - e até mesmo CODAs - para "validar" o roteiro, muitos desses desvios poderiam ter sido evitados. Se quero falar da comunidade surda, preciso saber como ela é e não o que eu acho/penso/imagino que ela seja.


  3. O que levou o fime a ser criticado sobre a relação de Paula e sua família foi justamente quão dependentes eles eram de Paula para situações tão recorrentes e simples do cotidiano. Depois que ela fosse embora, como eles ficariam? Bem, ainda que Paula fosse a mediadora da família, certamente, eles sobreviveriam sem ela, de uma forma ou de outra. Talvez eles pudessem ter abordado isso a partir de uma outra perpectiva. Posso dizer que o que está em jogo, na verdade, não é se ela vai estudar música ou medicina, mas sim, que ela vai embora de casa. Seria melhor se essa dificuldade girasse mais em torno dessa partida, na adaptação futura, do que em como a família vai lidar sem a Paula e a aceitação de ela querer seguir na música.

Conclusão: O filme é bom e vale a pena assistir. O que mais me importa, por hora, é que o filme divulga a existência da língua de sinais, ainda desconhecida por muitos, e o caso dos CODAs, um tema interessantíssimo para estudo. Alcançar a perfeição é difícil, mas acredito que muito dessa "calibragem" para ser melhor acontece e acontecerá com o tempo e com a maior compreensão do que estamos, de fato, falando.


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