Por que libras é língua? - parte 1

02/10/2017

Nem sempre o que é simples é fácil.
Responder essa pergunta, necessariamente, eleva nossos horizontes. 

O desafio de provar a legitimidade das línguas de sinais em geral existe há tempos e, desde sempre isso foi motivo de rejeição dessas línguas, dando espaço somente para as línguas orais. Um dos maiores exemplos disso é o Congresso de Milão, em 1800, quando foi decidido que o oralismo era o melhor método de educação para os surdos e, portanto, a língua de sinais foi proibida em inúmeros países, inclusive no Brasil, tempos depois.

Essa dificuldade de "validação" vem também da falta de reflexão sobre a própria língua que se fala. Não se costuma pensar o que é língua, e quando se pensa, logo vem à mente a gramática normativa, que determina regras de como a língua deve ser, mas deixa de olhar para a língua como, de fato, ela é, como funciona.

Portanto, a dificuldade da legitimação da libras, na verdade, não nasce dela própria, mas sim, de um lugar onde se há reflexão sobre as línguas orais, é somente sobre uma faceta da língua e não uma discussão panorâmica e abrangente.

O que é língua?

Não é tão óbvio definir língua. A depender da perspectiva teórica, haverá uma explicação e uma forma de analisar e olhar para a língua. Podemos partir da visão mais canônica, que vem do famoso Ferdinand Saussure, considerado o "pai da Linguística", que enxerga a língua por um viés mais estruturalista.

Pesquisas feitas por essa teoria buscam descrever a língua de forma estrutural, como ela se estrutura formalmente. Por exemplo, todas as vezes que os falantes de português brasileiro enunciam algo, dizem algo, sempre o artigo vem antes do substantivo. Nunca dizemos "Estrela a brilhou". Mas sempre falamos "A estrela brilhou" ou "Brilhou a estrela". O artigo "a" sempre vem antes do substantivo "estrela", ainda que sejam possíveis outros rearranjos sintáticos, na ordem da sentença. Isso é um exemplo de descrição de língua, do que é aceito em português ou não, do que é compreendido em português ou não.

Mas não tem a ver com aquela gramática normativa que estudamos na escola, pois aquela é uma outra forma de olhar para a língua, dizendo como ela deve funcionar, como devemos escrever, pontuar, acentuar, etc. Essa gramática escolar padroniza a língua e é muito importante para momentos como concursos, vestibulares, relatórios, documentos oficiais, entre outros, sobretudo, no que diz respeito à escrita da língua.

No entanto, ela não dá conta daquilo que foge à ela, ou seja, a gramática normativa não consegue descrever uma conversa informal, por exemplo, que contenha gírias, expressões típicas de um grupo de falantes, ou quaisquer desvios que não contemple as regras dessa gramática. No caso de uma fala como "Os menino já foi", de acordo com a norma culta, não há concordância entre o artigo e o substantivo, pois o correto seria "Os meninos já foram".

Já uma análise do ponto de vista descritivo, que descreve a língua a partir de enunciados reais produzidos pelos falantes, vai dizer que o plural já estava no artigo "os", portanto, o que o falante fez foi não repetir essa marca de plural, pois já estava entendido que era mais de um menino. Note que essa descrição e justificativa não é válida para um artigo acadêmico, por exemplo, porque é outra situação comunicacional, em outra esfera social.

Além disso, em nenhum momento foi considerado o falante como um sujeito que traz consigo história, cultura, valores, crenças, etc. Não fizemos uma análise para compreender o posicionamento ideológico daquele que fala, mas sim, para descrever como fala, partindo do nível de análise linguístico morfológico, nesse caso, estudando a formação das palavras e as possíveis alterações; as combinações entre si, ou seja, a sintaxe; e em seguida, indo para a semântica, buscando o sentido que traz e o que isso significa.


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